lá vamos nós de novo desromantizar o fazer autoral! Já comentei que a comunicação autoral não é a voz do coração/essência, então acho que não é surpresa dizer que fazer autoral não é fazer o que se ama. Porque é possível amar o que se faz reproduzindo algum método, estilo, forma, conteúdo criado por alguém. Também é possível comunicar o que ama usando fórmulas e formatos dados como eficazes, adequados ou atraentes para o público. E também é possível amar o que se faz sem que isso desenvolva sua autoralidade (por exemplo, o amor por aprender e estudar mais e mais sem organizar essas referências todas numa entrega autoral – também sofro desse amor, confesso).
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O que tenho estudado e observado dos processos por aqui é que o fazer autoral se desenvolve a partir de uma relação de qualidade com um ou mais temas-núcleo. E “tema” aqui não é sinônimo de conteúdo ou assuntos que estudamos ou que representam o que fazemos. Uso a palavra “tema” no sentido que o crítico literário Jean Starobinski propõe: a busca de definir a sedução que algo exerce sobre nós. Um relacionamento sério com um ou mais temas implica questionamento e estudo não só de assuntos, mas investigação das narrativas e dos usos de linguagem que os expressam. Os temas que nos seduzem, provocam, instigam, interpelam, atravessam são nós relevantes para desatar nosso fio narrativo autoral. É no reconhecimento e relacionamento sério com nossos temas (núcleos de sedução e sentido) que encontramos pistas de como compor com coerência nossas formas e conteúdos autorais.
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Investir num relacionamento com seu(s) tema(s) envolve: investigar com profundidade qual ele é (ou quais eles são), para além dos assuntos, propósitos, fazeres e formas de entrega que estão “na moda”; articulá-lo com suas referências/experiências e também com os conteúdos do mundo; dizer não para alguns contornos que o mundo impõe; reconhecer seu valor (e dar créditos às fontes); saber ceder quando forma ou conteúdo não tem adesão no mundo; dedicar-se a compreendê-lo ligando o sentido à linguagem e à forma…
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O fazer autoral é um fazer crítico, o que não deixa de ser afetivo e amoroso, na complexidade que os afetos e o amor têm.
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